Pedimos a quatro fotógrafos de natureza que nos contassem como conseguem as melhores fotos sem incomodar as aves. Aqui ficam as dicas que partilharam.

 

Conheça os seus modelos

Não tem de ser biólogo, mas tudo o que puder aprender sobre os animais vai ajudá-lo a fotografá-los melhor, e sem incomodar os seus modelos.

 

Ricardo Lourenço, cujo interesse é captar o comportamento dos animais selvagens, realça que estudar a situação com antecedência também lhe permite tomar decisões que aumentem a probabilidade de tirar “aquela foto”: “Normalmente eu quando vou fazer um trabalho, já tenho na cabeça a fotografia que quero. Por exemplo, eu já sei que quero fazer uma fotografia do guarda-rios, em contra-luz, nas primeiras horas da manhã, e então tive que procurar no Google Earth ribeiras que estejam orientadas na direção do nascer do Sol nesta altura do ano, e onde haja pouca vegetação nas margens durante uns 50 metros, para que o guarda-rios use os poleiros que eu colocar sobre a água.”

Para captar a dança nupcial do mergulhão-de-crista, Ricardo Lourenço estudou bem a espécie e o local

Ricardo Lourenço
Ricardo Lourenço
Ricardo Lourenço
Ricardo Lourenço
Ricardo Lourenço
Ricardo Lourenço

Se quiser fotografar em áreas protegidas ou onde haja espécies sensíveis, esta planificação inclui pedir autorizações ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF). Lembre-se também que mesmo que vá fotografar uma espécie pouco sensível e fora de períodos críticos do seu ciclo de vida, pode haver outras espécies no local que sejam sensíveis à perturbação.

 

Passe despercebido

Usar roupa discreta, ser silencioso, e não fazer movimentos bruscos podem parecer conselhos banais, mas no momento em que a ave aparece, após horas de espera, ou em que apanha uma presa, o entusiasmo pode resultar numa oportunidade perdida – e numa ave desnecessariamente perturbada.

 

Para além destes cuidados essenciais, há equipamentos que podem ajudá-lo a tornar-se parte do cenário.

 

Abrigos

Em sítios como a Lagoa Pequena, em Sesimbra, pode usufruir de abrigos inseridos na paisagem há anos. “Estes locais são amplamente tolerados pelas aves”, diz Luís Quinta, que divide o seu tempo entre fotografia e documentários de natureza. “Para quem não tem tempo, conhecimento, equipamentos, os esconderijos edificados por empresas [ou outras entidades] são a melhor opção para se fotografar aves de forma eficaz”, refere: “A pessoa paga por um serviço [no caso dos espaços com entradas pagas ou que aceitam donativos] e numa manhã faz um conjunto de imagens que, de outra forma, levariam semanas para conseguir”.

observatório no Espaço Interpretativo da Lagoa Pequena, Sesimbra

Abrigos e observatórios podem ser uma boa solução

O único senão, aponta Ricardo Lourenço, é que se perde alguma da originalidade ao fotografar no mesmo local que muitas outras pessoas. Para ter as vantagens de um abrigo sem perder margem criativa, pode investir num abrigo portátil: essencialmente, uma pequena tenda. Além de aconselharem a montar o abrigo num local pouco conspícuo, que não perturbe a ave, os profissionais referem que a montagem deve ser feita às horas a que as aves estão menos ativas, e relembram que é preciso dar tempo para que as aves se habituem à presença do abrigo. Aproveite os primeiros 30 a 40 minutos no abrigo para estudar o comportamento das aves, perceber os circuitos que fazem, os poleiros que usam, e como reagem a perturbações como a passagem de outras pessoas.

 

Se estiver interessado em fotografar aves aquáticas, um “hydrohide”, ou abrigo flutuante, pode ser uma opção interessante. Estes abrigos cobrem a cabeça, ombros e tronco do fotógrafo enquanto caminha dentro de água. Diogo Oliveira, que para além de fotografar também dá workshops de fotografia de natureza, conta como usou um hydrohide para obter fotos bem próximas de uma garça: “Foram 20 minutos para fazer se calhar 2 ou 3 metros dentro de água, em que eu estava não só a tentar fotografar mas também a tentar perceber se ela estava a ter um comportamento normal ou não. E depois estive se calhar mais 20 minutos à espera que ela se fosse embora, porque eu para sair tinha que passar por ali.” Em locais como a Lezíria do Tejo ou Doñana, fotografar a partir do carro pode ser uma boa opção, sugere Carla Cruz.

 

Diogo Oliveira usou um hyrdohide para se aproximar desta garça

Diogo Oliveira
Diogo Oliveira
Diogo Oliveira
Diogo Oliveira

Máquina

Uma boa máquina não faz uma boa foto, mas claro que há aspetos em que pode ser uma grande ajuda. Uma objetiva com uma grande distância focal permite-

lhe captar detalhes sem ter de se aproximar tanto das aves, por exemplo.

 

E nos últimos anos, um desenvolvimento tecnológico em particular trouxe uma benesse considerável aos fotógrafos de natureza: o aparecimento das máquinas “mirrorless”. Com esta nova geração de aparelhos, o típico som da máquina a disparar passou a ser coisa do passado. “Acho que muitos fotógrafos já tiveram esta experiência com um estorninho: a gente vê o estorninho, a gente aponta a máquina, a gente foca, e depois quase que fecha os olhos para tirar a fotografia, porque a gente sabe que quando aquilo fizer o barulho, ele vai-se embora”, diz Diogo Oliveira imitando a careta de medo suscitada pela situação. “E realmente, poder fotografá-los sem que eles tenham essa reação, para mim foi… deu-me vontade de voltar a estar mais tempo no campo.”

 

Dê-lhes algo em troca

Feito o trabalho de casa, montado o equipamento, resta esperar que as aves apareçam. Nalgumas situações, um pequeno incentivo pode ajudar.

 

Comedouros e bebedouros

Tanto os comedouros como os bebedouros podem ser um reforço bem-vindo para as aves, e proporcionar verdadeiros “momentos Kodak”.

estorninho a tomar banho Diogo Oliveira

Graças a uma máquina silenciosa, Diogo Oliveira já consegue fotografar estorninhos sem os assustar

Para que as aves mantenham os seus comportamentos naturais, e não fiquem dependentes desta nova fonte de alimento, Diogo Oliveira aconselha alguma aleatoriedade no abastecimento do comedouro.

 

Em situações de uso prolongado, convém não deixar o bebedouro vazio numa altura crítica, lembra Ricardo Lourenço: “Se eu criar um bebedouro aqui no Alentejo, onde há zonas com muita falta de água, e depois deixar secar aquele ponto passado algum tempo, torna-se mais complicado para a ave procurar água: é diferente a ave começar a procurar em maio, quando num raio de 5 ou 10 km não há água, do que em agosto, em que pode ter que fazer 50 km para encontrar água.”

 

Poleiros

Para espécies como o guarda-rios, um poleiro colocado num sítio estratégico pode ser um convite irresistível. “A ideia é colocar um tronco num local em que eu veja que tem presas para ele, que tenha uma certa profundidade para ele conseguir capturar os peixes”, diz Diogo Oliveira.

 

Com algum tempo e paciência, e um abrigo estrategicamente montado, esta estratégia pode permitir fotografias bem próximas, diz Ricardo Lourenço: “se eu quero fazer uma fotografia muito aproximada, vou começar a fazer fotografias primeiro a 20m do animal, depois vou começar a aproximar os poleiros à medida que ele se vai acostumando de dia para dia: vou aproximando o poleiro 2metros, 2 metros, e se calhar passado duas semanas estou a fotografá-lo a 8 metros, e o animal até acaba a poisar em cima da objetiva”, sorri.

guarda-rios num poleiro Diogo Oliveira

Para o guarda-rios, um poleiro pode ser um convite irresistível.

Antes de partilhar

Por vezes, uma foto tirada com o máximo respeito pelos animais pode inadvertidamente incentivar a comportamentos indesejáveis. Uma fotografia de ovos ou crias num ninho que até estava num quintal em plena cidade, era de uma espécie muito tolerante e de um casal habituadíssimo à presença humana, pode levar uma pessoa menos conhecedora a tentar fazer o mesmo num bosque, com uma espécie mais sensível, que poderá até abandonar o ninho devido à perturbação. Da mesma forma, uma foto de uma ave a ser manuseada num centro de recuperação pode despertar a vontade de tocar em animais selvagens na natureza. Para evitar este tipo de repercussões, os fotógrafos com quem falámos foram unânimes: pense bem antes de partilhar uma foto, e sempre que partilhar fotos deste género deixe bem claro o contexto em que foram tiradas.

 

Saiba quando parar

“Por vezes a perturbação torna-se demasiada pela insistência de uma ação,” diz Luís Quinta. “Tirar um par de fotos numa situação desconfortável para uma ave pode não ter grande significado, é um episódio que pode atrasar uns instantes na vida de uma ave. Insistir em tentar fazer melhores imagens, melhores poses, melhor luz, etc., estando a ave sempre em “desconforto”, aí a situação pode ter outros contornos.”

 

Esse desconforto prolongado pode ter repercussões ainda mais graves no caso de aves migradoras pouco comuns. A chegada de uma ave que raramente se vê leva muitas vezes a verdadeiras migrações de observadores e fotógrafos ansiosos por “apanhá-la” antes que parta de volta aos seus destinos mais habituais. “É uma pressão muito grande, e pode comprometer a sobrevivência daquele indivíduo”, que já está a ter que se adaptar a um local diferente, com diferentes fontes de alimento e predadores, por exemplo, relembra Diogo Oliveira.

 

O mesmo acontece com os ninhos. Ver um ninho quando se vai na estrada, encostar na berma (em segurança), tirar uma ou duas fotos para registo e seguir viagem não será problemático. Mas passar horas ali parado já poderá perturbar os progenitores, que estarão em alerta constante; já para não falar no impacto de ir para perto do ninho, sobretudo em zonas com pouca presença humana.

 

Procure situações que facilitem

Quem fotografa a natureza nos tempos livres nem sempre pode dedicar semanas ou meses para obter uma foto, ou investir milhares de euros em equipamento. Nesses casos, a solução pode passar por uma mudança de perspetiva. Luís Quinta sugere “acompanhar uma sessão de anilhagem, visitar um centro de recuperação de aves, ou algo semelhante: locais onde as aves estejam próximas da objetiva.”

 

Outra hipótese pode ser contactar equipas que estejam a trabalhar no terreno para estudar ou proteger determinada espécie, e pedir se pode acompanhá-las no trabalho de campo. Em muitos casos, verá que têm todo o gosto em guiá-lo, sobretudo se puderem ficar com umas boas fotos para divulgar o trabalho que fazem.

 

Lembre-se que não está sozinho

Se está agora a iniciar-se na fotografia de aves, pondere a hipótese de participar em cursos e workshops, e se possível acompanhe outros fotógrafos mais experientes. Verá resultados nas suas fotos! Outra boa fonte de informação é o site da Associação Espanhola de Fotógrafos de Natureza (AEFONA), que além de tutoriais, dicas e recursos tem disponível o seu código de ética.

 

 

Os fotógrafos

Ricardo Lourenço

www.ricardolourencophotography.com

Instagram: @rlourencophotography

 

Diogo Oliveira

www.dophotography.net

Instagram: @on_wild

 

Luís Quinta

facebook.com/LuisQuintaPhotography

Instagram: @luisquinta65

 

Carla Cruz

www.birdwatchingsagres.com/exposicao

 

Este artigo foi originalmente publicado na nossa revista Pardela nº61 (outono/inverno 2020). Torne-se sócio e receba a Pardela gratuitamente em sua casa.