“São icónicos, são símbolo das nossas praias, permitem-nos dar uma espreitadela no que se passa no ártico, e permitem-nos sonhar com viagens incríveis.” Paulo Catry conta-nos porque tem um fascínio especial pelos pilritos-das-praias (Calidris alba).

 

Como é que se identifica um pilrito-das-praias?

Na maior parte das nossas praias são relativamente inconfundíveis. São pequeninos, e correm muito depressa, sobretudo quando estão a alimentar-se na rebentação. Quando a onda se afasta eles vão atrás, a onda vem e eles fogem, a onda vai e eles vão outra vez atrás, andam nesse vaivém… isto mais nas zonas de areia. Nas zonas de rocha, que eles também frequentam, esse padrão não é tão regular. Mas tendem a ser muito pequeninos e muito brancos, sobretudo de inverno. Têm bico e patas pretas, o bico não é muito comprido. Na minha opinião suspeita, são muito bonitos.

 

E veem-se facilmente no nosso país?

O pilrito-das-praias é uma das espécies mais abundantes nas praias de Portugal, a par da rola-do-mar, de entre as que pelo menos durante uma parte do ano fazem todas as suas funções principais na praia.

 

Quer dizer que o pilrito-das-praias não está cá todo o ano?

Não; esta é uma das aves do planeta que é, como eu costumo dizer, mais radicalmente do norte. Por exemplo, o Norte da Escandinávia já é muito a sul para eles: eles são mesmo do alto Ártico. Os pilritos-das-praias são mesmo polares, tratam os ursos-polares por tu, digamos assim.

Nascem em fins de junho, início de julho, no norte da Gronelândia, ou na ilha Ellesmere ali ao lado, e passado dois meses ou menos, em finais de agosto, já cá estão a chegar: são animais absolutamente fabulosos. Alguns podem ficar cá e passar cá o inverno, mas muitos, muitos vão continuar por aí fora, pelas costas de África, e alguns vão incrivelmente chegar à África do Sul.

bando de pilritos-das-praias a voar sobre o mar Daniel Pettersson (CC BY-NC 2.0)

O que é que podemos aprender com essas viagens épicas?

As alterações climáticas estão a ser muito mais acentuadas nas zonas árticas do que no resto do planeta… Mas não existe muita informação sobre o que se passa no alto Ártico; existem estudos a decorrer lá mas não são assim tantos, porque são regiões relativamente inacessíveis. Mas nós podemos aqui, à nossa porta, ter algumas ideias sobre o que se passa nessa região tão importante do planeta, olhando para estas aves que vêm de lá.

 

Como é que se obtêm esses dados?

Em Portugal, há 10 anos que acompanhamos as aves das nossas praias no projeto Arenaria, que é um projeto de ciência-cidadã em que voluntários fazem contagens destas aves nas praias de todo o país, no inverno. Ao longo dos anos já centenas de pessoas se envolveram neste projeto. Este é daqueles projetos que só são possíveis graças aos voluntários que vão fazer as contagens, aliás como a maioria dos esquemas de monitorização de aves pelo mundo.

 

Qual a situação destas aves em Portugal?

Há um ano, quando se publicou o Relatório Estado das Aves em Portugal, o pilrito-das-praias parecia estar em declínio, mas entretanto já recolhemos mais um ano de dados, e neste momento a indicação é que poderão estar estáveis em Portugal. Neste momento, as tendências que temos indicam que existem quatro espécies que estão em decréscimo nas nossas praias durante o inverno: a rola-do-mar [Arenaria interpres], o borrelho-de-coleira-interrompida [Charadrius alexandrinus], o ostraceiro [Haematopus ostralegus] e o garajau-de-bico-preto [Thalasseus sandvicensis]. Várias destas espécies não estão a diminuir de uma forma mais geral na Europa. Eu acho que provavelmente um fator relevante nas nossas praias é que há uma tendência a haver cada vez mais perturbação humana: as pessoas vão cada vez mais à praia, e levam os seus cães a passear na praia…

pilrito-das-praias poisado numa praia rochosa Diogo Oliveira

Como é que a presença de cães nas praias afeta as aves?

O problema é a perturbação frequente. Uma praia não é um habitat uniforme; existem sítios bons, onde elas encontram alimento, e sítios onde existe menos alimento. Nós podemos pensar “Ah, elas voaram, mas foram para ali para o fundo, está tudo bem”, mas se calhar o sítio para onde foram não é o sítio mais favorável. Para os nossos olhos pode ser tudo igual, mas aos olhos delas não. Se não houver perturbação, elas tendem a estar frequentemente nos mesmos sítios; não andam de forma aleatória.

 

Outra questão é que estas aves só se podem alimentar durante a maré-baixa, portanto já têm uma janela temporal relativamente estreita em que podem encontrar alimento. Se durante essa janela elas estiverem constantemente a ser perturbadas, se calhar não vão conseguir encontrar tanto alimento, porque não têm tempo. Além disso, andar a voar de um lado para o outro consome energia, o que implica que necessitem de comer mais…

 

E esse alimento vai ser muito importante, não é?

Claro. Em primeiro lugar, porque elas precisam de sobreviver ao inverno. E depois quando chega a primavera, têm de comer mesmo muito. Elas chegam quase, quase a duplicar de peso antes de partir, porque vão fazer voos inacreditáveis – estas aves podem passar 4 ou 5 dias e noites a voar sem parar! Elas comem, comem, comem, partem por exemplo do Algarve, e são capazes de só parar na Islândia! Fazem estes voos de milhares de quilómetros num só salto. E depois chegam lá e têm de parar durante uns dias para comer, comer, comer, engordar muito, e depois dar outra vez um grande salto até por exemplo ao norte da Gronelândia.

pilrito-das-praias a alimentar-se à beira-mar, com ar desconfiado Ximo Galarza (CC BY-NC-SA 2.0)

Portanto se houver perturbações pelo caminho, os efeitos vão-se acumulando…

Se as perturbações forem frequentes, tornam mais difícil o engordar o suficiente para conseguir chegar a tempo, porque depois a janela temporal no ártico é muito estreitinha: uma ave que se atrase 2 semanas relativamente ao início da primavera já não vai ter a possibilidade de se reproduzir. Aquilo é chegar e naquele espaço muito curto de poucos dias todas elas vão nidificar, para dar tempo à cria crescer. Em agosto, no alto ártico já está um tempo horrível, e têm de estar prontas a voltar para sul.

 

Os pilritos que conseguiram criar antes de o inverno se abater sobre o Ártico já estão nas nossas praias, bem como os voluntários que os contam. Se quiser juntar-se a eles, Paulo Catry deixa o convite: “é contactar o coordenador regional para a sua região. Mesmo que uma pessoa não tenha experiência, é uma coisa fácil de fazer e de aprender. São todos bem-vindos!”

 

Participe

De 1 de dezembro a 31 de janeiro, participe no Projeto Arenaria 

 

Sobre Paulo Catry

Paulo Catry é investigador do MARE – Marine and Environmental Sciences Centre, ISPA – Instituto Universitário. É nosso sócio, Coordenador do Projeto Arenaria e autor do nosso Guia das Aves Comuns de Portugal.