Durante o seu doutoramento, Rory Wilson deu por si em 1980 numa ilha ao largo da África do Sul, rodeado de pinguins, a pensar: “não faço a mais pálida ideia do

que vocês fazem a partir do momento em que mergulham”. O biólogo britânico começou por tentar perceber tudo o que podia a partir de terra firme. Depois

ainda tentou estudar os pinguins a bordo de barcos, mas sem grande sucesso. A única solução parecia ser tecnologia que registasse as ações das aves em alto mar. Mas essa tecnologia não existia. Assim, Rory Wilson tinha duas opções: ou decidia estudar outra coisa, ou criava ele próprio um engenho que lhe permitisse obter os dados de que precisava. Optou pela segunda, e abriu todo um novo mundo de possibilidades.

 

“No início, podia ter posto um milhão de perguntas, mas não conseguia responder a nenhuma. Agora, com um único logger consigo responder a um monte delas” diz Rory Wilson. Os primeiros engenhos (ou data loggers) que criou eram simples, desenhados para obter dados específicos para responder a uma única questão. Com o tempo, Rory Wilson foi-se apercebendo do poder de adquirir vários tipos de dados em simultâneo. “Cada sensor dá um único tipo de informação, mas se começarmos a combinar sensores conseguimos informação que é mais do que a soma das partes”, explica. Combinando três sensores, Wilson conseguia reconstruir, no computador, todos os percursos dos seus pinguins durante as 30 horas que estavam longe da sua vista.

 

Por volta de 2005, teve outro momento de inspiração. “Comecei a pensar que há mais no mundo do que pinguins”, diz meio a brincar. Na verdade, Rory Wilson apercebeu-se que os princípios por detrás dos loggers que aperfeiçoara para pinguins poderiam ser úteis para estudar muitos outros animais, e propôs-se a criar um logger universal, que permitisse estudar os movimentos de muitas espécies diferentes.

 

Diários digitais

O resultado foi aquilo a que a equipa de Rory Wilson chamou de Daily Diary Tags, os Loggers Diários. Um quadrado de plástico do tamanho de uma unha, cada um destes diários regista o movimento do animal em três dimensões, bem como a velocidade e a altura ou profundidade a que se desloca e os seus movimentos de rotação.

 

O diário regista ainda características do meio em que o animal se move, como as condições de luz e temperatura. O nome diário é realmente apropriado: é como se os animais escrevessem o seu próprio relato. “Basicamente eu ponho o diário num pinguim antes de ele sair do seu ninho, vou tomar o meu café, e ele vai à sua vida. No dia seguinte, volto ao ninho, recolho o logger, ponho no computador e em 30 segundos consigo ver cada bater das barbatanas, cada passo, cada vez que ele apanhou uma presa. Quando recolhes o Diário, é como se o animal tivesse escrito um livro só para ti, e tu és a primeira pessoa no mundo a lê-lo. Quem precisa de romances?” pergunta, maravilhado.

 

 

Rory Wilson a segurar um pinguim depois de lhe pôr um Logger Diário

 

Os autores destes diários tanto são pinguins na Argentina como castores na Noruega ou cabras nos Alpes, sempre usando o mesmo equipamento de

base. A única diferença é o tamanho da bateria, que tem de ser escolhida consoante os objetivos do estudo e as particularidades da espécie. Seja qual for a espécie, o diário é um registo tão completo que pode ser revisitado anos mais tarde para retirar novas ilações: dados recolhidos para averiguar se os pinguins estão a sofrer

com falta de alimento podem ser analisados para ver se existe relação entre a distância que percorrem e a quantidade de presas que apanham, por exemplo.

 

Respostas inesperadas

E como qualquer bom diário, também este pode conter revelações inesperadas. Rory Wilson recorda o dia em que uma cientista que estava a estudar a força G gerada por albatrozes-gigantes (Diomedea exulans) em voo, foi ter com ele e disse “passa-se qualquer coisa com os loggers, têm estado a fazer umas cenas muito

estúpidas”. Os dados mostravam os albatrozes a andar em círculos. Olhando mais de perto, os cientistas aperceberam-se que as aves só andavam

às voltas em noites de lua nova, e só quando estavam pousadas na água. Eventualmente, Rory Wilson e os colegas aperceberam-se que o seu mistério era a resposta a outro mistério.

 

Durante décadas, cientistas perplexos encontravam provas de que os albatrozes se alimentavam de lulas que vivem nas profundezas do oceano. Mas os albatrozes não mergulham a grande profundidade. Como conseguiam as aves comer lulas que viviam fora do seu alcance? A resposta, afinal, eram os círculos esquisitos registados pelos loggers. “O que pensamos que acontece é: em noites sem luar, no mar alto, os albatrozes nadam em círculos, agitando o plâncton bioluminescente. As lulas dizem “oh, luz bonitaaaa” e vêm à superfície investigar – e os albatrozes comem-nas.” Para comprovar que é realmente isto que

acontece, a equipa está agora a pensar em equipar albatrozes não só com o Logger Diário mas também com um sensor de luz na base da cauda (para

medir a bioluminescência) e com um sensor que mede o ângulo de abertura do bico (para verificar se os albatrozes estão a comer). “Nunca teríamos descoberto

este comportamento se não fossem os Loggers Diários”, diz Rory Wilson. “Nunca vais ver um albatroz a fazer isto às 3 ou 4 da manhã no meio do Pacífico ou do Atlântico Sul, mas o logger pode vê-lo por nós!”

 

O seu entusiasmo pela descoberta faz com que Rory Wilson sinta que tem uma posição privilegiada: “ter o luxo de ser um connoisseur de um determinado

tipo de animal, como os pinguins, e ao mesmo tempo poder ser a criança fascinada e assustada quando vou ter com alguém que quer pôr o Diário num castor ou numa preguiça – é difícil de igualar”.

 

Tendo superado o desafio de saber o que os pinguins fazem quando não os vê, Rory Wilson não descansa. O próximo desafio, diz, é o andorinhão-preto (Apus apus). Está decidido a estudar os ajuntamentos em que grupos de andorinhões fazem estonteantes acrobacias aéreas, enchendo o céu com os seus gritos estridentes. “E como passam a vida toda no céu, vão aparecer coisas muito interessantes, de certeza”, acrescenta. Mas para pôr às costas de uma ave de 22 gramas,

o Diário terá de ser minúsculo. “É um dos derradeiros desafios. Acho que este ano não chegamos lá, mas talvez para o ano.”

 

 

Este artigo foi publicado na revista Pardela nº58.